SP tem 500 mil moradores solitários

Embora a média da capital paulista, de 14,1% dos lares, seja menor que a de outras grandes cidades, situação já preocupa especialistas

Dados são do Censo 2010.
FOTO: Paulo Liebert/Estadão.

Edison Veiga e Rodrigo Burgarelli


Em São Paulo, 503.971 pessoas vivem sozinhas – em 14,1% dos lares. Embora seja praticamente a soma de duas capitais, Palmas (TO) e Boa Vista (RR), a média ainda é baixa se comparada com grandes cidades europeias ou americanas – Nova York, por exemplo, tem 50% dos domicílios com apenas um morador.

Mesmo assim, o aumento de pessoas morando sozinhas na capital já causa preocupação entre psicólogos. "Em um mundo pós-moderno, de cultura massificada, a solidão é um sentimento que está aumentando", diz Sueli Damergian, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).

Ela explica que a solidão não está necessariamente ligada ao fato de não se viver com alguém. Mas a dificuldade dos jovens de manter diálogos enriquecedores e trocar experiências verdadeiras torna mais difícil a vida de quem mora só. "A solidão é um vazio de bons objetos internos. Quem não internalizou figuras amorosas, como pai, mãe ou amigos, tem muito mais dificuldade para ficar sozinho sem sentir angústia ou solidão".

Outras escolas têm razões um pouco diferentes para explicar por que certas pessoas não se adaptam à vida solitária. Os existencialistas, por exemplo, atribuem a solidão à dificuldade de aceitar a “finitude” da vida – ou seja, compreender a iminência da morte. "Você pode ser uma companhia boa para você mesmo se tiver uma relação positiva com a vida e tentar aproveitar o tempo do modo mais significativo possível.Mas, se você tenta fantasiar ou esconder essa verdade, aí a relação não é boa”, afirma o professor de Psicologia da PUC-SP Ari Rehfeld.

Segundo Rehfeld, outro fator determinante para a solidão é o sentimento de pertencimento a um grupo. “Em uma cidade grande como São Paulo, é difícil não se deixar arrastar pela massificação. Você tem de ler o que os outros leem, assistir aos filmes que os outros assistem, ir ao restaurante que os outros vão. Já em uma cidade pequena, onde as pessoas se sentem mais importantes mesmo que seja dentro de um pequeno grupo, a vivência comunitária é muito maior.”

Sós.Para grande parte, trata-se da privacidade e da liberdade de fazer o que bem entender na hora que quiser. "Morando sozinha, não preciso nem me preocupar em colocar roupa em casa", diz a atriz Rachel Ripani, de 35 anos, que vivia com os pais até se mudar para casa própria, na Vila Mariana, em novembro.

Mas há uma queixa em comum com outros "sozinhos": a falta de companhia na hora dos problemas. "Sempre é minha vez de lavar a louça. E já aconteceu mais de uma vez de eu me esquecer de passar no mercado e não ter nada para comer", conta ela. "Mas ruim mesmo é a falta de companhia. Quando se mora com alguém, se tem ao menos dez minutos na hora do café para saber um pouco da vida da pessoa. Eu conversava muito com meu irmão”, recorda Rachel. “Parece pouco, mas melhora seu dia. No fundo, a gente se preocupa muito com a vida dos outros e eu acho estranho chegar em casa e não ter ninguém para conversar. Odeio comer sozinha.”

Viúvo desde 1997, o poeta Paulo Bomfim, assessor da presidência do Tribunal de Justiça, já não se vê tão solitário aos 85 anos. “Vivi de forma tão intensa e convivi com pessoas tão fascinantes que guardo lembranças imorredouras”, afirma. A organização da casa, das compras, fica por conta de sua funcionária Lúcia. “Um anjo da guarda meu, que trabalha todos os dias aqui.” Mas as noites são silenciosas, sem nenhuma companhia. “Sinto profundas saudades de minha Emy (sua mulher)", admite Bomfim.


Número de brasileiros sozinhos triplica em 20 anos. Já são 6,9 milhões

A família tradicional, com pai, mãe e três filhos, está cada vez mais rara no Brasil. Pela primeira vez na história, o número de pessoas morando sozinhas ultrapassou o das famílias com cinco integrantes. Hoje, os domicílios com apenas um morador já são 12,2% do total, ante 10,7% das residências com cinco pessoas. Os brasileiros solitários já somam 6,9 milhões – quase três vezes mais que os 2,4 milhões de 1991.

Os dados constam de um recorte inédito feito pelo Estado nos dados do Censo Demográfico de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A pesquisa revela que o País está seguindo uma tendência internacional: há cada vez menos gente dividindo o mesmo teto. Em 1960, a média de moradores por domicílio era de 5,3 pessoas. Cinquenta anos depois, caiu para 3,3. Ainda assim, é bem maior do que a proporção em países europeus e nos Estados Unidos: por volta de 2,5.

Existem, porém, duas grandes diferenças no aumento dos “solitários” brasileiros registrado na última década. A primeira é a intensidade – de 2000 para cá, o ritmo de crescimento dos domicílios com apenas um morador foi cerca de 15% maior do que na década anterior. A outra é a participação das cidades médias: morar sozinho era um comportamento mais restrito às grandes cidades. Mas, nos últimos dez anos, o avanço de casas e apartamentos com apenas um morador foi quase 40% maior em cidades de 100 mil a 500 mil habitantes que nos grandes municípios.

As principais explicações para esse fenômeno são o crescimento no número de idosos e o aumento na renda média do brasileiro. Porto Alegre, líder no ranking dos solitários entre as capitais, com 21,6%, é o melhor exemplo da primeira razão. A cidade gaúcha é também a capital que conta com mais moradores com mais de 60 anos (15%). Como regra geral, quanto mais velha a população, maior o número de pessoas morando sozinhas após criar os filhos, se divorciar ou ficar viúva.

Florianópolis, segundo lugar na lista das capitais, é um exemplo de como a renda influencia na quantidade de pessoas morando sob o mesmo teto. Como a cidade é a capital com maior renda per capita por domicílio, há mais pessoas com condições de bancar todos os custos de manter uma casa ou um apartamentos apenas com seu salário.

Já São Paulo ocupa um lugar intermediário: é a 8ª capital com maior renda per capita, 5ª colocada no ranking da terceira idade e 7ª das que, proporcionalmente, mais têm domicílios com apenas um habitante. No total dos municípios brasileiros, a maior média é de Herval (RS), no interior gaúcho, onde 26,6% dos moradores vivem sozinhos. Na outra ponta está Ipixuna, no Amazonas – lá, a alta proporção de indígenas faz menos de 1% dos lares ter só um morador.


No Norte do País, média chega a sete pessoas por casa

Santa Isabel do Rio Negro, no Amazonas, tem a maior proporção de moradores por domicílio do Brasil. Lá, a média é de 6,9 pessoas por residência, ou seja, mais que o dobro da média nacional, de 3,3. O motivo é cultural e está relacionado à alta proporção de índios – 60% dos seus 18,1 mil habitantes se declararam indígenas no Censo 2010.

O fenômeno se repete em vários municípios da região. Das 50 cidades que lideram o ranking de habitantes no mesmo teto, 49 estão na Região Norte, onde proporcionalmente há mais índios vivendo em ocas ou malocas, que, às vezes, são comunais. Por isso, a média de habitantes por domicílio sobe bastante. Em Santa Isabel do Rio Negro, por exemplo, 20% das moradias são ocas – a maioria com mais de oito moradores sob o mesmo teto.

Na outra ponta do ranking estão pequenas cidades do interior de Goiás, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo. A líder é Aloândia (GO), com apenas 2,5 moradores por domicílio. A explicação nesse caso é a idade: 19% dos moradores de lá têm mais de 60 anos, proporção que é quase o dobro da média brasileira.

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